quinta-feira, 17 de maio de 2018

Lady - Uma gata que viveu em outros tempos



Nestes últimos meses tenho me deparado com várias questões acerca da alimentação dos gatos, especialmente devido à obesidade da minha gata Bia. 

No entanto, esta questão prende-se a outra interrogação que também me preocupa: - O que faz um gato ficar obeso? 

A única forma de perceber o que nos diz um gato, é amando-o, estando atento às suas alterações de saúde e do seu comportamento.

Com o livro "Bia por um triz" algumas pessoas têm partilhado comigo a história dos seus gatos. A partilha destas histórias pode me ajudar ainda mais a compreender os meus felinos.

Por vezes, esta partilha faz-me analisar a história da minha convivência com os meus amados felinos, pois a melhor maneira de perceber o presente, e preparar um futuro melhor, é aprender com o que nos aconteceu no passado. 

A história da “Bia por um Triz”, e a história de tantos outros gatos podem fornecer algumas pistas nas interrogações dos nossos dias.

E por isso, vou partilhar a história da gata Lady.

Lady foi a primeira gata do meu marido, o Paulo. Eu não tenho nenhuma foto da Lady, mas do que eu sei, ela tinha tons acastanhados escuros, um pouco parecida com a Lady que adotei, anos depois. Aliás, como fui buscar a minha Lady ao mesmo lugar onde meu marido morou na sua infância, quem sabe, a minha Lady não foi uma descendente da primeira Lady, aquela que meu marido adotou há mais de trinta anos? 


Paulo, devia ter ainda uns seis anos quando a Lady foi resgatada de uma feira pública onde era vendida por ser da raça siamesa. A questão é que ela e seus irmãos, ainda muito pequeninos, foram o resultado de um crime de roubo feito à sua dona humana, por causa de serem de raça pura. Com o resgate da Lady, também os seus irmãos foram libertados das mãos dos criminosos.

Constava-se que a Lady foi a primeira gata de raça siamesa que foi morar naquelas ruas. Ela tinha um nó no fim do seu rabinho, que determinava a sua raça pura, mas essa questão de raça era o que menos importava no seu novo lar: uma casa humilde num quarto andar no centro de uma cidade que estava a crescer.

A Lady era tão pequenina que nos primeiros dias, foi amamentada com leite de vaca aguado, que na altura, diziam que se devia dar aos gatinhos. 

Hoje em dia, o leite de vaca já não é recomendado aos gatinhos, mas quem é que não se lembra deste velho costume de se achar que os gatinhos gostavam de leite? 

Os tempos eram outros e o que importava, na altura, era alimentar a pequenina Lady, que tão novinha, foi retirada do aconchego da sua mãe. 

A Lady sempre recebeu muito afeto nesta família de humanos que a acolheu. Por isso, na falta das condições que hoje temos disponíveis, na altura, quando se adotava um gato, tinha de se improvisar.

Por exemplo, como não havia a areia para servir de WC, usava-se serrim, que ia-se buscar nas lojas da carpintaria das ruas vizinhas.

O tempo foi passando e aos poucos, a pequena Lady foi se tornando uma gata dona de si e da família que a adotou.

A Lady tinha uma personalidade forte e nunca deixou mais nenhum outro gato ir viver na sua casa. Ainda lhe trouxeram o Mickey, para ver se formavam um casal de siameses puros, mas ele teve de ir viver na casa de um dos vizinhos. Mais tarde, ela e o Mikey iriam ter muitos filhotes, feitos no telhado do prédio onde viviam. 

Porém, todos os filhotes da Lady foram adotados por amigos e vizinhos do Paulo e nunca nenhum deixou de ter um lar.

Apesar da Lady ter o seu ar de independente, não andava na rua, mas como morava no último andar de um prédio, ia para cima do telhado e ali ficava a mirar a cidade que ia crescendo ao seu redor.

Isto de dar rações a animais ainda não era moda e nem habitual como nos nossos tempos.

Na altura, os animais partilhavam da comida dos seus donos, e por isso a Lady foi habituada a comer do que sobrava da mesa dos seus donos, e do que roubava dos vizinhos.

Sim, porque, se algum vizinho tinha algum bacalhau a demolhar à janela, era quase certo que a Lady iria pelo telhado e se aproximaria da janela, e num ápice, uma posta lá ia abocanhada.

E no telhado, a Lady deixava depois as peles do bacalhau que comia, deixando a prova do crime para depois ser confirmado o seu delito. À porta vinham os vizinhos a queixarem-se, e nada mais havia a fazer do que dar outras postas de bacalhau para os ressarcir dos seus danos materiais.
- Há que fechar a janela, quando colocar as postas a demolhar… - avisava o menino Paulo.

Os tempos eram de pouca comida, em que se comprava as coisas por gramas e não por quilos, por centilitros e não por litros, por meio quartilho, ou metades ou um quarto. Tudo era racionado no que se comia, pois, o dinheiro não dava para guloseimas.

A Lady sabia que só podia comer o que os donos lhe podiam dar e não havia comida quando lhe aprouvesse. Certamente usou os seus dotes felinos para caçar os ratos e aves que pousavam no telhado.

A Lady viveu cerca de 18 anos, sem obesidade, mantendo-se saudável e ativa por toda a sua vida. Só foi duas vezes ao veterinário. Na altura, ainda não havia o costume de levar-se o gatos às vacinas e por isso, os gatos só iam ao veterinário em caso de necessidade. 

Numa das vezes que foi ao veterinário, foi por causa de um osso de frango que se entalou na sua boca enquanto comia.  No caso da Lady, o osso entalou-se na boca, mas não se deve dar frango com ossos ao gatos, porque quando os ossos de frango quebram-se, formam pontas afiadas que podem lhes causar hemorragias internas e sérios problemas de saúde.

Quando a Lady começou a ficar muito quieta, babando-se, o Paulo percebeu logo que algo estava mal e foi ao veterinário. Na altura não havia transportadoras, e se havia, eram muito caras, e por isso, o Paulo, ainda criança levou-a ao colo nos transportes públicos ao veterinário mais próximo. A princípio, o motorista não queria que a gata fosse ali ao colo mas depois, após ver-se que a gata estava quietinha num colo de uma criança, lá deixou mas a muito custo. O que mais preocupava o Paulo era cuidar da saúde da sua Lady, de resto, nada mais lhe importava.

Porém, quando chegaram ao veterinário, quem é que podia por a mão na Lady para ver o que se passava com ela? Só com a mão do seu dono Paulo, ainda criança, a fazer-lhe festas na cabeça,é que o veterinário e as suas assistentes viram que havia um o osso entalado na boca da Lady, conseguindo retira-lo, colocando-lhe depois o remédio para curar-lhe as feridas que o osso ocasionou-lhe. Passados uns dias, a Lady já saltava e comia como se nada tivesse acontecido.

Esta relação intensa de confiança da Lady com o Paulo, que não admitia mais ninguém à sua volta, para além dos pais do Paulo que moravam na sua casa, é uma prova de fidelidade que mesmo em tantas amizades humanas é difícil de encontrar.

O gato tem um amor incondicional por quem o acolhe, e é grato por toda a sua vida. A gratidão dos gatos não tem limites e é para sempre.

Infelizmente, a Lady de um dia para o outro, após mais de 18 anos de plena saúde e vitalidade, deixou de aparecer na sua casa e no telhado.

Havia na zona, infelizmente, uns que se dedicavam a envenenar os animais de rua. Já não era a primeira vez que um gato aparecia morto, envenenado e jogado no latão do lixo, sem qualquer apreço. Muitos pensam que os animais que andam na rua não são amados, e que não fazem parte das ruas civilizadas, pois há que manter a limpeza no desenvolvimento urbano de uma cidade turística. Ainda por cima, existem leis municipais que  multam quem anda a colocar comida e água fresca nos cantos das ruas para alimentar os animais de rua.


No entanto, outros humanos não gostavam que as ruas ficassem sujas com a nossa comida. Então, alguns deles jogavam fora a comida que encontravam. Havia ainda, os que envenenavam a nossa comida para assim ao comermos dela, morrermos. Nunca percebi porque alguns humanos não gostavam de nós! Mas, ah, que fome!!! Tenho de comer! - Porquê não tenho onde morar?” (página 32 do livro “Bia por um triz”)

Quando escrevi o livro “Bia por um triz” reservei alguns capítulos a falar deste abandono dos animais na rua e a incompreensão que eles geram entre os que os veem. A Bia retrata um pouco do imenso sofrimento que vivem os gatos de rua, alguns deles abandonados. Infelizmente, também existem outros gatos que andam na rua, mas que têm casa e donos, que infelizmente ainda não perceberam o quanto as nossas cidades se tornaram complexas e perigosas para os gatos. Já não é possível eles terem um habitat saudável como há alguns anos.

Alguns gatos, pela sua curiosidade, saltam os muros, ausentam-se da sua casa, e por vezes, não adiantam as cercas para conter a sua atividade felina de andar por todos os cantos. Penso que toda esta atividade os fazia também menos obesos porque gastavam a sua energia nestas atividades naturais pelo meio ambiente.

Sei que mesmo que tenha muros altos na minha casa, poderei não conter a curiosidade dos meus gatos. Mas esta questão da atividade física que os gatos naturalmente precisam é o que a história da Lady me ensinou.

Enfim, penso que a história da Lady, indaga-me se a falta de atividade física dos meus gatos não será também uma das causas da sua obesidade. 

Outra questão é a sua alimentação. Claro que muita coisa mudou. Aliás a nossa própria comida mudou. Dar restos de comida a um gato que não tem acesso ao exterior onde possa comer outros alimentos da natureza, poderá não dar todos os nutrientes necessários à sua saúde.

E temos de ter atenção ao quanto de comida processada que ingerimos com tantos agrotóxicos e conservantes, que até nos assusta, se lermos os rótulos das embalagens.

Buscar uma alimentação saudável para nós e para quem amamos, em particular os nossos animais de estimação, é o que nos poderá valer para vivermos mais alguns anos neste mundo cada vez mais complexo e altamente comercial.

Por isso, partilhei neste artigo a história da Lady, e convido a outros a partilharem as suas histórias de infância com os seus animais de estimação. 

Penso que estas histórias diz-nos bem do que era o habitat natural dos gatos, e do que poderemos fazer para protege-los mais, e evitar que outros gatos que estejam na rua sejam abandonados à sua sorte, ou sejam mortos e “desapareçam” sem qualquer final feliz.

Até hoje, o meu marido lembra com saudade desta gata Lady, cujo o destino final ficou na página incógnita de uma cidade que a viu nascer, mas que se tornou demasiado complexa para aceitar a sua liberdade de ir e vir.

Porém, deixo neste artigo o testemunho da Lady para que a sua memória me ensine ainda mais a compreender os meus gatos.


Beijinhos da Bia e até o próximo artigo.





Este blogue não assume qualquer responsabilidade pelo seu conteúdo, pois é apenas uma partilha de vida, das histórias que me contam e especialmente daquilo que vivo no dia a dia com os meus gatos. Não tenho qualquer intenção de dar conselhos, especialmente veterinários. Aliás, aconselho vivamente que sempre procure a ajuda de um veterinário se notar alguma alteração nos seus amigos felinos, e nunca desista de procurar esta ajuda especializada.

Ainda tão pouco sabemos e a ciência está sempre em contínua mutação. A única coisa que nos resta é a nossa opção de vida!

Se gostou deste artigo e para acompanhar os próximos artigos, convido-te a seguir este blogue e a página do livro "Bia por um triz" em 


Para saber mais sobre o livro "Bia por um triz":

 O livro "Bia por um Triz" pode ser adquirido em

"A melhor forma de ajudar os animais é adotando-os."
(Rosária Gácio)